Primeira atualização após sua publicação há 13 anos, os Parâmetros Nacionais são referência do que é Educação Infantil de qualidade
via Gestão Escolar
Oito áreas focais, 21 princípios e 239 direcionamentos. Assim estão estruturados os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil, atualizados e recém-lançados pelo Ministério da Educação (MEC) com o intuito de orientar o sistema de ensino com os padrões de referência e organização, gestão e funcionamento de creches e pré-escolas de todo o país. Construído em parceria com diversas entidades ligadas à Educação Infantil e baseado em estudos e relatórios de especialistas, o documento é classificado como um norteador para implementar e avaliar políticas públicas educacionais para crianças de 0 até 5 anos de idade.
Os parâmetros foram atualizados e publicados em dezembro do ano passado, 13 anos após sua primeira versão – que havia sido feita em dois volumes. O material precisou ser republicado para contemplar dispositivos legais criados de 2006 para cá. Dessa forma, os novos parâmetros estão alinhados às legislações vigentes, sendo uma delas a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional de Educação (PNE).
O novo texto contempla, em oito partes, as seguintes áreas: Gestão dos Sistemas e Redes de Ensino; Formação, Carreira e Remuneração dos Professores e demais Profissionais da Educação Infantil; Gestão das Instituições de Educação Infantil; Currículos, Interações e Práticas Pedagógicas; Interação com a Família e Comunidade; Intersetorialidade; Espaços, Materiais e Mobiliários; e Infraestrutura. Na versão de 2006, os dois últimos tópicos fazem parte de um caderno separado. Já nesta, em volume único, reforçam o entendimento de que os parâmetros de infraestrutura também são indicadores de qualidade na Educação Infantil.
Cada área focal é dividida em princípios e parâmetros para nortear as ações de gestores de secretarias de Educação e das instituições de Educação Infantil, professores e profissionais de instituições, bem como familiares e responsáveis de crianças de 0 a 5 anos. A ideia é que cada público utilize o documento de acordo com seu contexto. O fato é que todos encontrarão ali uma série de práticas que ajudarão a aprimorar seu trabalho e repensar o cotidiano educativo.
Pontos de destaque
A revisão do documento, com atualização da legislação e também da estrutura e abordagem, representa um ganho enorme para avançar na melhoria da qualidade da Educação no Brasil. Essa é a opinião de Beatriz Ferraz, que integra o Movimento Todos Pela Educação e colaborou com a construção dos novos parâmetros.
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora da Escola de Educadores, Beatriz observa que “já estamos falando de uma mudança significativa para as políticas públicas de primeira infância em nosso país”. “A partir da identificação das diferentes áreas com seus respectivos atores e a busca por maior clareza acerca da perspectiva de um trabalho conjunto e colaborativo, estamos valorizando a Educação na primeira infância como um direito da criança e de suas famílias que precisa ser tratado com o maior respeito e ser reconhecido no enorme potencial que tem na vida deles”, afirma.
Um aspecto importante para a analista de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Karina Fasson, foi a inclusão de uma seção que aborda as práticas intersetoriais, considerando a atenção integral e integrada à criança, tal como colocado pelo Marco Legal da Primeira Infância, aprovado em 2016. Para Karina, que é mestre em Sociologia pela USP e especialista em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), ao fazer isso, o documento promove avanços. Outro ponto de destaque é a área focal 4, que aborda as questões de currículo e práticas pedagógicas sob os paradigmas trazidos pela BNCC. “Uma prática pedagógica qualificada é o que realmente vai ter impacto positivo para o desenvolvimento da criança”, afirma.
Por ter como principal bandeira a Educação Infantil, a fundação, que também atuou na elaboração dos parâmetros, vem observando desde os anos 2000 um crescimento significativo do percentual de crianças matriculadas em creches e pré-escolas. O próprio Censo Escolar, divulgado no início de fevereiro, aponta que embora o Brasil tenha registrado um recuo no número de alunos matriculados, houve um crescimento de 5,38% nas matrículas em creches.
Por outro lado, essa expansão de vagas não necessariamente significa melhoria na qualidade do ensino, segundo Karina. “Muitos estudos dão pistas de que a qualidade das nossas creches e pré-escolas deixa a desejar”, diz. Um estudo do Ministério da Educação, conduzido pela Fundação Carlos Chagas em 2010 em seis capitais brasileiras sobre a qualidade de creches e pré-escolas, mostrou que em uma escala de 0 a 10, a média de pontuação das creches foi de 3,3 e das pré-escolas de 3,4.
Além disso, conforme a analista, existe ainda no Brasil a ideia de que não é necessário haver profissionalização na Educação Infantil, sobretudo em creches. Há uma “crença” de que qualquer um (ou qualquer uma, considerando a quase totalidade de mulheres) pode cuidar de uma criança. “A Educação Infantil não é apenas direito das famílias trabalhadoras que precisam de um lugar para deixar seus filhos com segurança, é também um direito da criança”, reforça Karina. Segundo ela, estudos comprovam que uma Educação Infantil de qualidade pode ter um “um grande impacto no desenvolvimento de crianças em situação de vulnerabilidade”. “A Educação Infantil é fundamental para o desenvolvimento integral (cognitivo, físico, emocional e social) da criança, bem como para a consolidação de uma base que a permita aprender ao longo da vida”.
O Censo Escolar aponta que o número de crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches passou de 3,4 milhões em 2017 para 3,6 milhões em 2018. Dados disponíveis no Anuário Brasileiro de Educação 2018 mostram que apenas 34,1% ds crianças na faixa etária correta estariam matriculadas. Além disso, segundo o levantamento, houve um aumento na desigualdade, quando se considera famílias mais ricas e mais pobres: dos 25% mais pobres, apenas 26% estão matriculados, sendo que dos 25% mais ricos, 55% estão matriculados.
Os levantamentos nos mostram que o que é preciso melhorar é a oferta oferta de vagas e que isso tem um impacto direto na equidade. “É fundamental que se garanta vagas também para os mais vulneráveis se quisermos avançar no sentido da diminuição das desigualdades sociais”, afirma a analista da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Impacto dos parâmetros
O estabelecimento dos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil é um enorme avanço, mas sem uma aplicação no dia a dia o documento corre o risco de virar texto de prateleira. Para isso, os parâmetros devem nortear o trabalho de secretários de Educação, técnicos das secretarias, diretores, coordenadores pedagógicos e orientadores educacionais. Mas não somente. Para Beatriz Ferraz, com o documento em mãos, diferentes atores, inclusive professores, pais e demais responsáveis podem avaliar a qualidade dos projetos pedagógicos e do cotidiano em creches e pré-escolas, tendo referências para tomada de decisões em relação às mudanças que devem ser implementadas para melhorar a qualidade da Educação em suas instituições.
A especialista garante que os parâmetros têm potencial de ser indutores para a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas de qualidade para a etapa da Educação Infantil, na medida em que estabelecem padrões de referência orientadores, alinhados às legislações vigentes, para o sistema educacional no que se refere à organização e ao funcionamento das instituições de Educação Infantil públicas e privadas.
Karina Fasson lembra, contudo, que o documento não traz necessariamente uma garantia de promoção da qualidade, considerando que trata-se de um guia orientador e não mandatório, como as Diretrizes Curriculares, atualizadas em 2009, e a própria BNCC. “Consideramos o material importante para que as redes e as unidades de Educação Infantil tenham orientações sobre o que é uma creche e uma pré-escola de qualidade”, ressalta. A expectativa é que todos os atores envolvidos façam bom uso das mais de 80 páginas de informações que permeiam a vida de crianças desde o seu nascimento à pré-escola.
GLOSSÁRIO
Parâmetros. Parâmetros podem ser definidos como referência, ponto de partida, ponto de chegada ou linha de fronteira. Por exemplo, a formação esperada do profissional de Educação. Os parâmetros aqui apresentados sugerem também práticas a serem executadas por diversos atores do processo educativo.
Diretrizes. Aspectos norteadores e legais. São orientações para estabelecer, por exemplo, acesso, inclusão e equidade, qualidade, igualdade de gênero, oportunidades de aprendizado e desenvolvimento ao longo da vida etc. Princípios: fundamentos a que se propõe. A razão ou o que explica a importância das práticas propostas. Princípios devem ser internalizados, consultados e devem guiar as práticas propostas. Indicadores: instrumento de quantificação para aferir o nível de aplicabilidade do parâmetro. Parâmetros são mais amplos e genéricos, indicadores mais específicos e precisos. Indicadores, enquanto medidas quantitativas, podem ser usados para verificar o andamento ou a qualidade dos processos de implementação das Políticas Públicas de Educação Infantil. Exemplo, taxa de matrícula das crianças de 4 a 5 anos em pré-escolas, percentual de Professores da Educação Infantil com curso superior completo. Público-alvo: Gestores de Secretarias de Educação; Gestores das Instituições de Educação Infantil, tais como, Diretores e Coordenadores pedagógicos ou equivalentes; Professores e profissionais de apoio de Instituições de Educação Infantil, bem como familiares e responsáveis de crianças de 0 a 5 anos.
Propósitos. A finalidade de definir os parâmetros de qualidade está relacionada ao intuito de estabelecer os requisitos necessários para uma Educação Infantil que possibilite o desenvolvimento integral e integrado da criança até os 5 anos de idade, em seus aspectos físico, motor, psicológico, intelectual, cognitivo, socioemocional e comportamental. Dessa forma, o documento apresentado de Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil baseia-se no fundamento de que as crianças têm potenciais a serem desenvolvidos e incentiva a formação de arranjos num propósito compartilhado e intersetorial. Ainda, apresenta parâmetros suficientemente amplos para abarcar diferenças regionais, flexíveis para permitir que as manifestações institucionais locais e ações culturais tenham espaço para desenvolver-se por meio de critérios específicos, favorecendo a criação de referências locais, de fácil aplicação e monitoramento.
Fonte: Gestão Escolar | https://gestaoescolar.org.br https://gestaoescolar.org.br
Postado por: ABIME