Fonte: Zeiss
Em qualquer sociedade a criação das crianças ocupa papel central na vida da comunidade. Tem sido assim há séculos, desde quando a maior preocupação era ensinar aos pequenos a sobreviver por conta própria em meio à natureza. É claro que hoje as prioridades de conhecimento mudaram, assim como a própria maneira como encaramos a infância, no entanto, o desejo de preparar os jovens para o futuro da melhor maneira possível permanece.
A novidade da educação no século XXI parece focar justamente no fato de que a melhor maneira, na verdade, não é um conceito único. Cada vez mais surgem escolas que rompem estereótipos do que acreditamos ser uma boa instituição de ensino – centrada na disciplina e em conteúdos pré-determinados – focando em realidades locais e na autonomia da criança em perseguir seus interesses e desenvolver habilidades cada vez mais necessárias para a convivência global.
Nessas escolas do futuro, mais do que apenas preparar os alunos para o vestibular, busca-se formar cidadãos globais que contribuirão efetivamente para a construção de um mundo melhor, através de conceitos como liderança, respeito, tolerância, solidariedade e sustentabilidade, que são ensinados em paralelo aos conhecimentos técnicos e acadêmicos.
O mais interessante é que essa busca está se tornando cada vez mais abrangente e inclusiva, com diferentes iniciativas se proliferando pelo mundo todo. Algumas representantes brasileiras estão se destacando com propostas educacionais inovadoras, que misturam tecnologia, valorização da natureza e responsabilidade social em suas filosofias.
Em Cotia, na Grande São Paulo, o Projeto Âncora aposta na ideia de construir um mundo melhor através da educação, promovendo a inserção social de crianças e adolescentes carentes com o uso de um modelo nada convencional. A proposta valoriza a autonomia no processo de aprendizagem, enxergando-o como uma busca pessoal do aluno, explica a representante do projeto, Ana Paula Alcantara.
“A aprendizagem é customizada, ela é coletiva, mas também é uma busca pessoal. A criança precisa estar motivada a aprender para realmente conseguir absorver esses conteúdos de maneira efetiva, não porque precisa estudar para uma prova, depois esquece e nunca mais usa”, disse Ana Paula ao Olhares do Mundo.
Dessa forma, os estudantes formam turmas de acordo com seu ritmo de desenvolvimento – e não idade. Cada aluno tem um roteiro pessoal de estudos, preparado exclusivamente para ele, e que será desenvolvido em parceria com a comunidade.
Reprodução/Projeto Âncora
A tecnologia é peça fundamental nessa integração, especialmente no que diz respeito à comunicação entre equipe pedagógica e as turmas, assim como o acompanhamento do progresso das crianças.
A escola conta com uma plataforma digital em que os alunos têm suas próprias páginas, em uma espécie de blog interno. Nelas, as crianças postam o que aprenderam, seu progresso em relação às atividades, seus interesses. Também são registradas suas atitudes e comportamentos. No fim, tudo se transforma em um relatório utilizado por professores, coordenadores e assistentes sociais para monitorar o aprendizado das crianças. O objetivo da escola no futuro é conseguir que os pais também tenham acesso ao software, conta Ana Paula.
Os alunos também podem interagir entre si na plataforma através dos chamados grupos de responsabilidade, espécie de comissões em que eles se reúnem para discutir e solucionar problemas do dia a dia, como alimentação, bullying, uso da água, conservação da horta, cuidados com os materiais escolares, manutenção das instalações, comunicação, eventos, entre outros.
A ideia é que os jovens busquem seus interesses e aprendam com eles na prática, explica Ana Paula:
“Por que você tem que aprender dentro da escola se você, por exemplo, tem um gosto por marcenaria? O grupo ou você mesmo pode ir à marcenaria do seu bairro e entender como são feitas as coisas. Ali você mede, aprende sobre volume, vários conteúdos que você sobe para a plataforma e por whatsapp você fala com seu tutor (professor). (…) A autonomia se dá dessa maneira: eu sou responsável pelo meu estudo, faço meu planejamento, realizo minha autoavaliação com ajuda do meu tutor e sou avaliado por ele. Assim evoluo os meus estudos”, comenta.
“A instituição trabalha para que a gente consiga formar comunidades de aprendizagem e elas só são possíveis por conta da tecnologia, que é a grande tecelã desta rede”, completa.
Mas há também um cuidado para que a tecnologia seja inserida de modo construtivo nesse aprendizado. Os alunos são incentivados a utilizar computadores e smartphones como ferramentas de estudo, porém, apenas aqueles que apresentaram um comportamento responsável durante um ano e meio de avaliações podem utilizá-los durante as aulas – e nunca para navegar em jogos ou redes sociais.
Em São Paulo, a Escola Viva também visa preparar seus alunos para os desafios do mundo contemporâneo com responsabilidade, considerando a tecnologia como parte fundamental do processo de aprendizagem.
Reprodução/Escola Viva
“Hoje não podemos desconsiderar que o celular é parte do corpo desse aluno. Então ao invés de ficar só na restrição de uso, também pensamos em formas de usar esse dispositivo a favor dos diferentes processos de aprendizagem”, explica a coordenadora do Ensino Fundamental II, Luce Diogo.
Um exemplo da adoção efetiva da tecnologia em sala de aula realizada pela escola está em um projeto dos alunos do sexto ano envolvendo a pesquisa sobre civilizações antigas e o popular game de construção de mundos Minecraft para a disciplina de História, relembra Luce.
“Uma coisa é você ver as imagens do modo de vida de uma civilização antiga através de uma página de livro, uma relação bidimensional. Outra é você pensar nesses dados coletados no livro e construir uma estrutura tridimensional dentro de um jogo. Esse processo fez com que o aluno experimentasse o lugar de protagonista, porque ele tinha que coletar dados, elaborar um projeto, montar uma estrutura e depois conhecera estrutura que outros alunos criaram. O instrumento de avaliação era a própria maquete construída no jogo, não era mais a prova”.
Adotar esse tipo de abordagem exigiu que a escola também preparasse a própria equipe para lidar com os desafios do mundo digital, além de trazer os pais para a discussão, propondo um debate amplo e rompendo antigos preconceitos.
“Nós trabalhamos em uma frente de formação com adultos, famílias e professores. Para o professor o universo virtual nas relações com os alunos é uma experiência nova. Ele pode ter alunos na sua rede social? O que isso significa? Esses são pontos de reflexão para a equipe de professores, entender os impactos dessas escolhas e a responsabilidade de cada um.
“Uma outra questão é que chamamos a assessora de língua portuguesa para conversar conosco sobre o texto do mundo virtual. Havia uma crença de que se o aluno escrevesse com abreviações ou palavras novas nesses dispositivos poderia impactar negativamente na escrita de um texto. E então ela nos trouxe pesquisas de universidades defendendo que não há prejuízo na escrita de textos porque o aluno escreve muito nesse tipo de dispositivo. Isso foi uma quebra de paradigma na escola, havia uma insegurança das famílias em relação a isso e uma preocupação em relação a formação desse escritor”, comenta Luce.
Para a instituição, o destaque conferido aos usos construtivos da tecnologia e seus impactos na nova sociedade em que estão inseridos ajuda os estudantes a compreenderem melhor as consequências de suas ações e, portanto, evitarem situações perigosas, como o ciberbullying.
“Queremos formar pessoas que saibam atuar em ambientes colaborativos e que pensem soluções para questões do mundo contemporâneo. O jovem quando está em um ambiente virtual, ele tem a sensação que está no ambiente privado. Então um passo para essa formação é entender que é um ambiente híbrido, não é nem só privado e nem só público. Ele precisa entender que, ao publicar conteúdos no mundo virtual, ele tem uma responsabilização, um compromisso ético.”
Aproveitar a tecnologia para desenvolver competências sociais, acadêmicas e pessoais necessárias ao mundo global também é o objetivo da Avenues, que abrirá sua primeira unidade em São Paulo em 2018. O colégio já tem uma unidade em Nova York e pretende promover o intercâmbio entre os alunos, além de uso extensivo da tecnologia nas instalações, com direito a Wi-Fi em todas as dependências, tablets e computadores como material didático e uma equipe totalmente focada no desenvolvimento de novas tecnologias como partes centrais em seu programa de estudos, como explica Dirk A. DeLo, diretor global de Infraestrutura e Desenvolvimento de Campus da Avenues:
Reprodução/Avenues
“A tecnologia é uma ferramenta usada para permitir que nossos alunos ampliem seu aprendizado para muito além das paredes da sala de aula. Como parte de nossa missão de criar cidadãos globais, a tecnologia permite que os estudantes fiquem confortáveis fora de suas zonas de conforto desde muito pequenos. Nosso currículo também enfatiza o uso responsável da tecnologia, para que nossos alunos usem o poder da tecnologia para o aprendizado apropriado e produtivo e compreendam o que significa ser um cidadão digital responsável”.
Utilizando a metodologia STEAM (uma abordagem integrada de Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) como estratégia pedagógica, a escola incluirá a tecnologia até mesmo no ensino do jardim de infância, adequando a utilização de acordo com a idade e necessidade das crianças.
Para Dirk, a “tecnologia permite a criação de novas habilidades, inconcebíveis sem ela”, o que também abre novas possibilidades para um sistema de educação mais adaptável e abrangente:
“Combinada com o aprendizado personalizado, a tecnologia cria um ambiente mais inclusivo. Existem aplicativos colaborativos que podem ser usados para uma participação mais livre dos estudantes e a tecnologia assistiva integrada aos tablets realmente permite que crianças com necessidades especiais ou até mesmo adultos não alfabetizados a utilizem como ferramenta de aprendizagem”, avalia.
As estratégias que a educação vem encontrando para se adaptar ao mundo virtual são muitas, o que torna o debate cada vez mais rico e frutífero. Ainda é cedo para saber como cada método irá se desenvolver e quais as próximas adaptações a sociedade exigirá, porém, a tendência de alunos cada vez mais empoderados, recebendo formações que levam em consideração todos os âmbitos de sua vida, parece ser a melhor saída para a criação de um sistema educacional mais justo, moderno e eficiente. Com estudantes motivados, cheios de energia para criar um futuro melhor, o benefício definitivamente será de todos.