Alfabetização no ensino remoto: O Plano Nacional de Educação, documento que estabelece metas e estratégias para a política educacional no período de 2014 a 2024, definiu que todas as crianças devem estar alfabetizadas, no máximo, até o final do terceiro ano do ensino fundamental, por volta dos 8 anos de idade.
Porém, os dados mais recentes da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), de 2016, mostram que menos da metade (45,3%) das crianças aos 8 anos de idade tinham aprendizagem adequada em leitura e 66,1% em escrita. E a tendência é que a situação tenha piorado com a pandemia – se antes da crise sanitária já era um desafio alfabetizar as crianças, com o ensino remoto se tornou ainda mais difícil conseguir avanços nesse sentido.
Em nota publicada no ano passado, a Associação Brasileira de Alfabetização (ABAf) mostrou preocupação com a alfabetização no ensino remoto na pandemia. A organização, que busca articular, acompanhar e fomentar pesquisas e políticas públicas no campo da alfabetização, levantou uma série de aspectos que são prejudicados no ensino remoto, entre eles o deslocamento para professores e famílias de responsabilidade que é da administração dos sistemas educacionais, sejam eles públicos ou privados.
A entidade cita também a questão da falta de domínio pelos professores de ferramentas de comunicação virtual e digital, de mídias específicas e suas linguagens, que não se resolvem meramente do ponto de vista técnico, como sendo outro aspecto preocupante para o êxito da alfabetização a distância.
Para Renata Frauendorf, coordenadora de programas de alfabetização do Instituto Avisa Lá, que oferece projetos de formação para professores, a escola é um espaço potente para contribuir com o processo de alfabetização das crianças.
“Mas em situações extraordinárias como esta, se não há outra alternativa que não a alfabetização no ensino remoto, não vou dizer que não se pode fazer nada. Muitas crianças, que têm estrutura em casa para as aulas online, aprenderam no ano passado e seguem aprendendo. Porque a leitura e a escrita acontecem socialmente, não é só na escola que a criança experimenta situações que envolvem a linguagem”, afirma Renata.
Ela explica que em casa, a criança de família em melhor condição socioeconômica está cercada por livros, jornais, mensagens de texto, o que contribui para aproximá-la do universo letrado.
De acordo com a formadora, no entanto, para a grande maioria das escolas, conseguir a alfabetização no ensino remoto é um desafio. “Porque a alfabetização é um processo amplo, que inclui intervenções do professor e uma relação maior com a cultura escrita, que permita vivenciar situações diversas de leitura e promova a reflexão sobre o texto escrito.
Além disso, e, principalmente, é preciso promover a interação das crianças com seus pares – a troca de experiências entre uma que sabe mais e uma que sabe menos favorece o aprendizado. No ensino remoto, há uma perda grande nesse sentido”, diz Renata.
A professora Amanda Cristina Limo, que dá aulas na rede pública de Iperó, no interior de São Paulo, e já lecionou em escolas particulares do município, avalia que há muitas barreiras e dificuldades no ensino online, e na alfabetização no ensino remoto, a começar pela falta de acesso à internet e equipamentos para poder participar das aulas.
“Com ferramentas digitais você consegue introduzir as crianças no universo da leitura e escrita, mas o processo amplo da alfabetização, que não se resume à memorização de palavras, depende do ambiente escolar, do trabalho realizado em sala de aula, a frequência à biblioteca, e professores presentes nessa prática cotidiana, o que muitas famílias, mesmo de escolas privadas, não conseguem desenvolver”, diz.
A professora destaca que para que a alfabetização aconteça é preciso um ensino individualizado, com orientação aos pais, priorizando atividades lúdicas.
“Você até consegue ensinar uma sequência alfabética, mas todo esse processo rico da cultura letrada é mais difícil. Alfabetizar uma criança não significa ensinar a ela a escrever palavras, é muito mais que isso. Quando a gente ensina a criança a escrever seu nome, por exemplo, ela também vai aprender que o nome dela diz muito sobre sua história, qual a relação dela com os familiares, tudo sendo trabalhado com muita ludicidade, o que no online exige a mediação de um adulto, mas nem sempre os pais têm condições de assumir esse papel”, pontua Amanda.
Além disso, segundo a docente, as crianças tendem a criar mais resistência quando aprendem com os pais. “Num contexto coletivo a criança responde positivamente, a relação com o ambiente de escolarização é outro”.
No Maranhão, professora usa aplicativo de mensagens de texto e outras ferramentas para envolver as crianças nas atividades
“Em 2020, iniciamos as aulas somente em agosto, mas consegui alfabetizar minha turma, um grupo de 15 alunos. O coletivo fica totalmente comprometido, as trocas entre as crianças não acontecem da maneira como gostaria, mas procurei outras maneiras de envolvê-los nas atividades, fazendo apresentações de conteúdos em slides, vídeos, áudios, leituras, jogos e produções artísticas, sendo o principal meio de comunicação o Whatsapp”, conta Marta Christina Barros Bello é professora do 1º ano do ensino fundamental da UEB Professor Rubem Teixeira Goulart, e coordenadora local da Rede Conectando Saberes, em São Luís, no Maranhão.
Para tanto, diz ela, é preciso um planejamento bem pontual e encadeado, com uma sequência bem amarrada para promover um melhor aproveitamento dos conteúdos. “Preparo o material de forma que as crianças se interessem pelos temas, porque no remoto é difícil prender a atenção de crianças, e ainda mais sendo uma escola pública de periferia no Maranhão, em que muitos pais não sabem ler nem escrever e muitas vezes as crianças ficam também com os avós, que estão pouco familiarizados com as tecnologias”.
Marta diz que, se preciso, em assunto mais complexos, faz uma espécie de tutorial para os pais poderem fazer a atividade com o filho. Ela relata explorar muito a oralidade das crianças. “Peço que expressem o que entenderam, se faz sentido para elas e assim tenho conseguido alfabetizá-las. No 1º ano, elas não precisam estar totalmente alfabetizadas, mas elas saem conhecendo o sistema alfabético e conseguem produzir pequenos textos, explicar fenômenos”, conclui a professora.
Fonte: Metro
Postado por Abime