Há muito o conceito da interdisciplinaridade vem sido discutido no campo científico. Sua definição passa por muitas formas e sua interpretação beira a subjetividade de cada pesquisador conjugada com a perspectiva adotada para seu estudo.
Além disso, sua presença faz-se cada vez mais, principalmente, quando tomamos documentos oficiais da educação, tais como as diretrizes curriculares nacionais e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Como exemplo de noções de interdisciplinaridade podemos citar o conceito de energia, o qual fica fácil definir a interdisciplinaridade quando assumimos suas diferentes formas e manifestações na natureza.
Ademais, a prática da interdisciplinaridade na sala de aula não é e, nem nunca foi, uma tarefa fácil, mesmo quando tínhamos “apenas” como função “transmitir” conhecimento. É claro que a função do professor não é apenas essa. A empatia, o despertar a curiosidade, o olhar atento, são atribuições sutis e sensíveis, características de um professor, ou melhor, de um educador. Aqui temos um primeiro ponto de convergência entre a pesquisa interdisciplinar desenvolvida na academia com a práxis pedagógica do ensino básico.
A nova configuração social demanda a interdisciplinaridade
Com o advento de tecnologias digitais, de fácil acesso à informação, de transposição de barreiras físicas, culturais e sociais provenientes da expansão da internet, a função do professor passou a sofrer mudanças em sua forma de atuação decorrentes das novas demandas da contemporaneidade. Esses alunos, contudo, não se prendem mais a informações desconectadas de um contexto, de uma utilidade, de objetivos claros e com influência direta em suas vidas. Eles necessitam não apenas do que se costuma chamar de motivação, mais que isso, necessitam se envolver com seu próprio aprendizado.
Deste modo, com tal objetivo — o de fazer os alunos se envolverem e se responsabilizarem pelo seu próprio aprendizado — que os projetos interdisciplinares e a interdisciplinaridade podem ser pensados na prática escolar, isto é, aquilo que nós pesquisadores obtemos como resultado pode ser transformado em metodologia para o ensino.
Ao longo de muitos anos de acertos como, também, de erros dentro da sala de aula, fez-nos entender o trabalho interdisciplinar como uma conjunção entre método e estilo, aplicados em situações reais, desprendidas dos conteúdos disciplinares isoladamente, para trabalhá-los de maneira integrada.
Desta forma, entendemos o método como a forma em que os projetos interdisciplinares são aplicados, dando valor primário e fundamental ao planejamento. Além disso, devemos considerar a existência de uma sequência didática, bem como previsões de possíveis bifurcações ao longo do caminho, decorrentes das características que são inerentes à cada grupo de alunos, ou seja, ao contexto da prática realizada.
Não posso deixar de ressaltar que nenhum trabalho interdisciplinar é definido com uma receita, como às vezes se pensa da pesquisa científica. Diante desta temática, o mesmo número de aulas, o mesmo professor, o mesmo ano letivo, nada disso garante que os resultados obtidos sejam iguais para turmas diferentes. Isso significa dizer, que dentro do planejamento pedagógico, um ponto importante a ser levado em consideração são as especificidades do grupo de alunos, seus pontos fortes e fracos.
A partir destas noções e, elaborado o planejamento de como fazer – o que inclui disposição de tempo didático, definição dos objetivos de aprendizagem e instrumentos de avaliação – se faz importante compreender que o estilo diz respeito à forma como o professor trabalha e que, assim como ocorre com o grupo de alunos, essa forma é peculiar à cada professor, à sua experiência, não apenas em sala de aula, mas derivada de seus aprendizados das interações vividas ao longo de sua vida, na escola, na família, em seus grupos sociais específicos.
Tais observações são muito discutidas nas pesquisas educacionais atuais. Assim, o professor está embebido em suas leituras, seus hobbies, suas atividades culturais e não pode, de forma alguma, desprezar esse arcabouço de conhecimento que possui espaço em sua prática enquanto educador.
Interdisciplinaridade na prática
Dito isso, descreverei brevemente a aplicação de uma metodologia interdisciplinar chamada de Ilha Interdisciplinar de Racionalidade (Fourez, 1997), a qual pode ser aplicada em qualquer disciplina, turma/ano e nível escolar.
Essa metodologia é chamada de ilha na metáfora Ilha de conhecimento num mar de ignorância. Em outras palavras, o objetivo principal de uma Ilha Interdisciplinar de Racionalidade (IIR) não é o aprendizado de conteúdos específicos, mas contribuir para que o aluno parta de um problema real, desenvolva seus conhecimentos e autonomia perante sua aprendizagem. Tal procedimento metodológico se divide em oito etapas não fixas, que podem ser arranjadas de acordo com as necessidades específicas do grupo, do tempo didático e da disponibilidade de recursos disponíveis para o professor. Seu objetivo se concentra em utilizar o conhecimento desenvolvido para ter autonomia na tomada de decisão, boa comunicação (argumentação coerente e fundamentada) e domínio dos saberes desenvolvidos (vale lembrar que não apenas os conhecimentos disciplinares, mas também atitudinais e procedimentais).
Abaixo apresento, brevemente, etapas para o desenvolvimento da metodologia que aplica a interdisciplinaridade:
Etapa 1 – Sondagem (também chamada de clichê): serve para apresentar e/ou definir uma temática junto com os alunos. O importante nesta etapa é deixar claro aos alunos o tempo de duração, os objetivos a serem almejados na resolução de um problema/questão real, tentando sempre que possível, participar e responsabilizar os alunos acerca das escolhas e tomadas de decisão na definição do projeto.
Etapa 2 – Panorama de investigação: refinamento e definição da questão de pesquisa, seus participantes, previsão das normas e restrições que podem existir/ocorrer para o desenvolvimento da IIR e definição do produto resultante da IIR (é importante um produto que sintetiza o trabalho desenvolvido, seja ele material, intelectual, virtual, etc).
Etapa 3 – Consulta a especialistas e especialidades: essa é uma parte importante para desenvolver conteúdos disciplinares e procedimentais necessários na resolução do problema da IIR.
Etapa 4 – Saída à prática/campo: etapa importante para buscar informações em espaços externos à escola, como museus, oficinas, fábricas, etc. apresentando espaços de conhecimentos não formais e interdisciplinares por natureza.
Etapa 5 – Investigação disciplinar: momento de desenvolver conteúdos disciplinares específicos. Esta etapa pode ser desenvolvida juntamente com a etapa 3, a depender das necessidades específicas do grupo e do tempo disponível para o desenvolvimento da IIR.
Etapa 6 – Organização dos conhecimentos adquiridos: serve para organizar a elaboração do produto.
Etapa 7 – Elaboração do produto: finalização do produto da IIR.
Etapa 8 – Síntese da IIR: serve para apresentação e avaliação do produto, assim como dos resultados obtidos em termos de domínio, comunicação e autonomia.
Como dito anteriormente, essas etapas apenas norteiam o trabalho da IIR e não são fixas, podendo ser suprimidas, aglutinadas e/ou adaptadas de modo a atender as demandas decorrentes do produto a ser desenvolvido e do tempo e recursos disponíveis.
Desta forma, o professor desenvolve uma função imprescindível, deixando de ser apenas um especialista para ser um maestro que rege seu grupo de modo a manter a melodia harmônica.
Para que esta harmonia se estabeleça, o educador deve estar atento às especificidades do grupo, à um registro detalhado de todas etapas, conferindo e readaptando o planejamento periodicamente (prevendo inclusive possíveis tensões que possam alterar o percurso da IIR), deixando claro a seus alunos os instrumentos de avaliação a serem utilizados, assim como os objetivos da IIR. Sempre que possível, estabeleça parcerias, divida tarefas, envolva seus colegas. Além de fortalecer o trabalho e aliviar as tensões inerentes aos trabalhos interdisciplinares, traz segurança para o grupo de alunos, mostrando-lhes coesão e consistência, não apenas no discurso, como também na prática.
Referências sobre interdisciplinaridade:
FOUREZ, G. Fondements épistemologiques pour l’interdisciplinarité. In: Les fondements de l’interdisciplinarité dans La formation à l’enseignement. Canadá. Editions du CRP/Unesco. 2001.
Alphabétisation scientifique et technique: essai sur les finalités de l’enseignement des sciences. Bruxelles. De boeck université. 1994. 218 p.
Alphabétisation scientifique et technique et ilots de rationalité. In: A. Giordan.; J. L. Martinand et D. Raichvarg, Actes JIES XIV, 1992.
Abordagens Didácticas da Interdisciplinaridade. In: Alain Maingain & Barbara Dufour. Coleção Horizontes Pedagógicos. Lisboa. Ed. Instituto Piaget. 2002. 318 p.
Interdisciplinarité et îlots de racionalité. In: Revue Canadienne de l’enseigneiment des sciences, des mathématiques et des Technologies. Vol.1, n.3, juillet 2001.
FOUREZ, G.; MATHY, P.; ENGLEBERT-LECOMTE, V.; Un modèle pour un travail interdisciplinaire. Modèles Pédagogiques 2. Aster n.1. Paris. 1997.
*Patrícia Takahashi é mestranda em Ensino de Física, Faculdade de Educação/ Instituto de Física da USP
Fonte: Revista Educação
Postado por Abime