12 de outubro de 2024
Abime
Políticas Públicas

O desafio das escolas brasileiras com alunos imigrantes

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Atraídos pelo crescimento econômico, imigrantes vêm ao país e matriculam os filhos na rede pública. A língua é só o primeiro dos desafios da adaptação.

Com taxas de crescimento econômico na faixa dos 7% ao ano e um regime democrático consolidado, o Brasil se tornou um destino atraente para imigrantes de países em desenvolvimento. Para ter uma ideia, de acordo com os dados da Polícia Federal, nos últimos dez anos a população de chineses triplicou, a de coreanos dobrou e a de bolivianos aumentou 70%. No fim de 2009, quase 895 mil estrangeiros viviam no país em situação regular e outros 60 mil sem documentação. A maioria vem para cá em busca de emprego e melhores condições de vida – o que inclui uma boa escola para os filhos.

“Uma parcela expressiva de imigrantes não teve acesso à Educação nos seus países e espera que os filhos possam ter no novo destino”, diz Maria Elena Pires Santos, especialista em migração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Os dados do Censo Escolar comprovam. Entre 2007 e 2009, 10 mil novos alunos estrangeiros passaram a frequentar nossas salas de aula, totalizando 38 mil estudantes na Educação Básica da rede pública. O aumento representa um desafio para as instituições que recebem os imigrantes: como ajudá-los na adaptação e garantir que possam aprender? A barreira da língua é apenas a mais visível das dificuldades. Muitos sofrem com preconceito e bullying e têm dificuldade para fazer amigos e se integrar à cultura brasileira (conheça os desafios escolares de alunos de quatro diferentes nacionalidades nos quadros que ilustram esta reportagem). Os pais, por sua vez, acompanham com distanciamento a vida na escola, quase nunca participando de reuniões e eventos. “Os que estão em situação irregular têm medo de serem descobertos e vergonha de se expor às outras famílias”, conta Sandra Celli, diretora da EE Marechal Deodoro, em São Paulo, que tem 300 alunos estrangeiros matriculados.

A situação se agrava porque o Brasil não conta com nenhuma política pública para o ensino de estrangeiros – programas de adaptação, aulas extras de línguas ou currículos bilíngues, como ocorre na Finlândia, na Noruega e no Canadá. A formação docente também não aborda a presença do estudante de fora nas classes regulares. “Predomina uma visão etnocentrista, na qual o estrangeiro é recebido como alguém que tem de absorver nossa cultura e esquecer a sua”, diz Sylvia Dantas DeBiaggi, psicóloga e estudiosa de migração da Universidade de São Paulo (USP). Para a pesquisadora, saber lidar com o contato intercultural é algo necessário sobretudo em momentos de ondas migratórias. O Brasil vive hoje sua terceira onda, iniciada há poucos anos, quando passamos a ser atraentes para países em estágio de desenvolvimento anterior ao nosso. A primeira, que se deu do século 16 até meados do 20, deu origem à identidade brasileira, com a chegada de africanos e europeus (leia no quadro abaixo como alemães e italianos se adaptaram ao sistema escolar brasileiro). A segunda, em sentido inverso às outras duas, foi a ida de 3,5 milhões de brasileiros para o exterior – sobretudo Estados Unidos e Japão – nas décadas de 1980 e 90.

No Sul, uma volta às origens

A cena de crianças falando outra língua em aula no Brasil não é nova. Foi
a regra nas áreas de colonização do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina no fim do século 19 e no início do 20. O caso das escolas comunitárias germano-brasileiras é emblemático: mantidas pelos próprios imigrantes, tinham quase todo o ensino ministrado em alemão. Hoje, cidades que receberam alemães e italianos nos séculos 19 e 20 experimentam uma redescoberta da língua dos antepassados. Em Porto Alegre, a EMEF São Pedro passou a oferecer aulas de italiano do 4º ao 6º ano depois de constatar que a família de cerca de 60% dos alunos vinha do “país da bota”. Em São João do Oeste, a 692 quilômetros de Florianópolis, a opção é pelo alemão, lecionado desde a pré-escola até a 4ª série. Já em Pomerode, a 179 quilômetros da capital catarinense, onde 70% da população tem descendência germânica, a ideia é mais ousada: Educação bilíngue para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Além do resgate cultural, as iniciativas contemporâneas também são uma forma de reconhecimento do idioma usado até hoje por grupos de imigrantes. “A língua deles deixa de ser vista como um dialeto inferior ou uma variedade deturpada da considerada padrão”, afirma Maristela Pereira, professora da Universidade Regional de Blumenau (Furb). Na opinião dos professores, a ação de revirar o baú linguístico tem, de fato, promovido uma revitalização do idioma na vida cotidiana. “As crianças trazem muitas referências das famílias, sobretudo dos mais idosos que ainda falam a língua”, afirma Ranice Dulce Trapp, professora da turma bilíngue de 2º ano da EBM Dr. Amadeu da Luz.

Para promover a integração, acolher o aluno é fundamental

Foto: Marina Piedade. Ilustração: Nik
Nome Yesenia Julia Cruz Machado
País de origem Bolívia
Idade 14 anos
Escola EE Padre Anchieta, em São Paulo
Ano 9º ano
Histórico A família de Yesenia veio ao Brasil para buscar melhores condições de vida – mas, por dez anos, a mãe trabalhou em regime de semiescravidão como costureira em uma confecção no bairro do Brás
O desafio escolar

Vencer a discriminação dos alunos brasileiros contra os bolivianos e fazer amigos fora de sua comunidade de imigrantes

Por ser o principal ponto de contato da criança estrangeira com o novo país, a escola tem um papel privilegiado na sua inserção na cultura local. Isso porque todo imigrante passa pelo que os especialistas chamam de estresse de aculturação. Nesse momento, atividades simples do dia a dia, como pedir uma comida e cumprimentar as pessoas, precisam ser reaprendidas. Esse processo pode levar a vários resultados de acordo com a personalidade e o tipo de cultura do imigrante e a recepção dada a ele.

Se optar pelo isolamento, mantendo seus hábitos originais e se relacionando apenas com iguais, ele pode acabar marginalizado, conservando sua identidade original, mas sem conseguir adotar a nova. No outro extremo, ele pode aceitar a cultura nova e deixar a sua de lado, descaracterizando-se. Finalmente, o processo mais difícil – e possivelmente o mais rico – passa por integrar seus elementos próprios aos da nova nação. Cabe à escola atuar. “Realizar práticas de inserção permite o conhecimento mútuo e contribui para a integração”, aponta Olga Pombo, professora da Universidade de Lisboa, em Portugal.

Para chegar lá, o acolhimento torna-se fundamental. Levar o aluno pessoalmente para conhecer as dependências da escola, apresentá-lo às outras crianças, aos professores, funcionários e gestores é uma bela maneira de recepcionar um imigrante. Durante todo o processo, a instituição deve ser um lugar que valoriza a diversidade. Por isso, sempre que houver casos de preconceito, como ofensas e apelidos, é importante mostrar a situação à turma e colocar o que ocorreu em debate. “Professores e gestores precisam questionar as razões do desprezo pelo outro. O silêncio só agrava a dor psíquica do agredido. Necessitamos agir para mostrar que todos merecemos respeito, independentemente da origem”, afirma Sylvia.

Aproveitar o conhecimento do aluno imigrante e relacioná-lo com conteúdos curriculares também favorece a integração. “Um aluno refugiado é um pedaço vivo da história contemporânea. No momento apropriado, ele pode contar sobre as situações que viveu e ser uma janela de conhecimento para a turma”, sugere Maria Elena. Essa postura ajuda a ir além da exploracão dos estereótipos culturais dos estrangeiros – geralmente, eles são lembrados apenas em festas e apresentações de danças e comidas típicas. Entretanto, é preciso ter bastante cuidado para não expor as crianças ou tratá-las como uma curiosidade exótica, interrompendo a aula a cada momento para que elas contem como determinada coisa funciona no país natal.

Foto: Denise Pellegrini. Ilustração: Nik
Nome Jasser Rios Idais
País de origem Paraguai
Idade 13 anos
Escola CE Presidente Costa e Silva, em Foz do Iguaçu, PR
Ano 5ª série
Histórico Veio ao Brasil morar com o pai, brasileiro, e ter acesso a uma Educação de mais qualidade
O desafio escolar Aprimorar a fala e a escrita em português, já que ele ainda se confunde com o guarani e o espanhol, línguas que aprendeu na escola paraguaia

Flexibilizar a avaliação auxilia a adaptacão à língua

Foto: Gilvan Barreto. Ilustração: Nik
Nome Jean Nzuzi e Olivier Bolowa
País de origem Congo
Idades 9 e 7 anos
Escola EM Calouste Gulbenkian, no Rio de Janeiro
Anos 4º e 1º
Histórico A viagem ao Brasil foi um meio de os amigos fugirem com as mães da guerra civil congolesa. Chegaram ao Brasil escondidos no porão de um navio em uma viagem de 20 dias, em que só se alimentaram de biscoitos e água
O desafio escolar Superar o bullying dos colegas de sala, que os ameaçam fisicamente

Na parte pedagógica, a palavra de ordem é flexibilização. Para os alunos com dificuldades na língua, vale, por exemplo, aceitar respostas na língua materna nas provas desde que o professor coloque ao lado como seria o correto em português. Aulas de reforço no contraturno, atividades extras para casa e um acompanhamento mais próximo em sala de aula também fazem a diferença.

Passeios a museus, teatros e outras instalações públicas ajudam muito os estrangeiros a se habituar à cidade e ampliar seus horizontes culturais, que costumam ser restritos à família. Cuidar do contato com os pais ou responsáveis, aliás, é outra providência fundamental. Marcar entrevistas, ligar e até visitar as casas são ações importantes. Afinal, os pais, assim como os filhos, também buscam acolhimento. “Por terem trajetórias sofridas, a maioria dos imigrantes é de seres vulneráveis, que precisam se sentir olhados”, argumenta Sylvia. “E olhar para o outro é uma grande oportunidade de superarmos nosso próprio egoísmo.”

Fonte: Nova escola

Postado por: Abime

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