Os pais de uma menina síria, refugiados recém-chegados à cidade de São Paulo, receberam, após a filha frequentar por alguns meses uma escola municipal, orientação para procurar uma unidade de saúde para avaliação psicológica, porque apresentava sinais de dificuldade de aprendizagem e de se relacionar com os outros alunos. Depois de procurarem ajuda, ficou claro que, na verdade, a menina tinha dificuldade em acompanhar as aulas porque não entendia o português e estranhava as diferenças culturais em relação ao seu país de origem – lá, por exemplo, meninas não estudam junto com os meninos.
Esse tipo de situação mostra a importância de se estabelecer ações para acolher e integrar as crianças, os adolescentes e os jovens estrangeiros no sistema de ensino brasileiro. É crescente o fluxo de imigrantes e refugiados para o país. De acordo com dados do Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, entre 2008 e 2016, o número de matrículas de alunos de outras nacionalidades em escolas brasileiras mais do que dobrou: saltou de 34 mil para quase 73 mil matrículas. A rede pública acolhe a maior parte desses estudantes: segundo o Censo Escolar de 2016, 64% dos estrangeiros estavam matriculados em escolas públicas.
A legislação brasileira determina que estrangeiros têm direito ao acesso à educação da mesma forma que as crianças e os adolescentes brasileiros, conforme expresso pela Constituição Federal (artigos 5° e 6°), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 53° ao 55°), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (artigos 2° e 3°) e pela Lei da Migração (artigos 3º e 4º). Além disso, a Lei dos Refugiados (artigos 43º e 44º) garante que a falta de documentos não pode impedir seu acesso à escola.
O QUE DETERMINAM AS LEIS
Constituição Federal (1988)
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996)
Lei dos Refugiados (nº 9.474, 1997)
Lei da Migração (nº 13.445, 2017)
IMIGRANTES EM SÃO PAULO
Ainda de acordo com o Censo, mais de um terço (34,5%) das matrículas de alunos de outras nacionalidades estão concentradas em São Paulo. Por conta do fluxo histórico de imigrantes que recebe, o estado é um dos mais estruturados em termos de normatizações que asseguram o direito à educação para essa população.
Além do parecer do Conselho Estadual de Educação n° 633/2008 que garante o direito de matrícula de crianças e jovens estrangeiros, mesmo que não tenham a documentação adequada, a Secretaria de Educação de São Paulo produziu uma cartilha sobre o acolhimento de estudantes imigrantes na rede estadual de ensino. O documento explica o que deve ser feito em relação às matrículas e à emissão de certificados dos alunos estrangeiros. Se por um lado a cartilha contribui para padronização e regulamentação do atendimento a esses estudantes, por outro limita-se basicamente às questões normativas, não trazendo orientações de caráter pedagógico ou relacionadas ao acolhimento desses alunos e que seriam de grande valia para gestores e professores.
DESAFIOS PARA A ADAPTAÇÃO
Como mostra o caso da menina síria já mencionado, relatado em notícia do jornal O Estado de S. Paulo de março de 2017, o acesso à escola não é a única dificuldade enfrentada pelas crianças e pelos jovens estrangeiros. A rede pública de ensino brasileira não está preparada para receber e promover a integração desses estudantes.
A principal questão é o idioma. A maioria dos estrangeiros que chega ao país não conhece o português e, assim, acaba frequentando as aulas sem conseguir se comunicar com os professores e colegas e, principalmente, sem entender os conteúdos desenvolvidos em sala. E esse é um grande desafio para as escolas, tendo em vista a diversidade de origem desses estudantes.
Os dados do Censo mostram que os latinos representam mais de 40% dos alunos estrangeiros e concentram-se principalmente na rede pública. São seguidos pelos estudantes de origem europeia, asiáticos e norteamericanos.
No estado de São Paulo, os alunos imigrantes se dividem em mais de 80 nacionalidades. De acordo com dados do Cadastro do Aluno da Secretaria Estadual da Educação, em novembro de 2017, a rede contabilizava 10.298 estrangeiros matriculados. Dentre eles, estão mais de quatro mil bolivianos, 1,2 mil japoneses, cerca de 550 angolanos e aproximadamente 540 haitianos.
Em Curitiba, capital do estado que recebe o segundo maior percentual de estrangeiros em sua rede de ensino, um levantamento feito pelo Departamento de Planejamento e Informação da Secretaria Municipal da Educação revelou que os 755 alunos estrangeiros matriculados em 2016 na rede tinham 44 nacionalidades diferentes. Destacam-se aí os haitianos e os japoneses.
Por conta disso, são necessárias adaptações nas práticas pedagógicas para que os estudantes estrangeiros consigam aprender a língua portuguesa e, assim, acompanhar as aulas, assimilar os conteúdos propostos e, de fato, se inserirem não apenas na comunidade escolar, mas na sociedade como um todo. Em paralelo, as escolas devem promover também a integração das famílias dessas crianças e jovens, para que todos possam se adaptar às diferenças culturais em sua nova realidade. É fundamental que a gestão esteja atenta ao acolhimento desses estudantes, condição para que tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem que os demais.
PLACAS EM QUATRO IDIOMAS
Um exemplo é o trabalho desenvolvido pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Infante Dom Henrique, situada no bairro do Canindé, na região central da cidade de São Paulo, que lhe rendeu um convite da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) para participar de um programa mundial de escolas associadas. Desde 2012 a escola desenvolve ações para promover o respeito à diversidade e a integração dos seus alunos estrangeiros, que são um quinto do total de matriculados. Além de toda a comunicação visual interna da escola ser feita em quatro idiomas (português, espanhol, árabe e inglês), a instituição mantém um projeto chamado Escola Apropriada, que, a cada 15 dias, reúne todos os estudantes imigrantes ou descendentes de estrangeiros para discutir assuntos relacionados à sua situação. Os alunos brasileiros também podem participar dos encontros, a convite dos colegas estrangeiros. Outra ação da escola foi incluir no currículo das aulas de história temas que afetam os imigrantes, como xenofobia e trabalho escravo. O projeto, desenvolvido pela professora Rosely Marchetti Honório com o apoio da gestão da escola, foi escolhido em 2017 como um dos melhores do país pelo prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita.
Fonte: Instituto Unibanco
Postado por: Abime