O curso é baseado em casos clínicos hipotéticos que ajudam a ilustrar na prática os conteúdos e também aguçar a curiosidade dos estudantes
via Por Vir
Uma mulher de 75 anos de idade chega ao hospital queixando-se de dor. A equipe médica inicia o atendimento. Este foi o cenário que propus na última aula extracurricular do Colégio Anglo São Paulo. Eu baseio o meu curso em casos clínicos hipotéticos que ajudam a ilustrar na prática os conteúdos ministrados no ensino médio. A disciplina é baseada em séries de televisão investigativas a fim de incentivar a participação e aguçar a curiosidade dos estudantes.
A dinâmica é diferente das aulas tradicionais; já que os alunos interpretam o papel dos médicos e eu do paciente. Ou seja, a aula é conduzida pelos estudantes, por meio de suas indagações a respeito do caso: Onde dói? Que tipo de dor? Qual é o histórico da paciente? Os estudantes têm total liberdade para expor suas visões e, no desenrolar de suas perguntas, descobrem juntos o diagnóstico e o tratamento da doença. Esse processo é importante porque eles vão construindo o conhecimento de forma ativa.
No caso trabalhado, a paciente era diabética e possuía pressão alta, além de um histórico familiar de morte por AVC (acidente vascular cerebral, popularmente conhecido como derrame). A dor no peito da idosa foi diagnosticada como angina decorrente de arterosclerose, doença vascular em que a passagem de sangue é comprometida pelo acúmulo de gordura nas artérias.
Na preparação do conteúdo a ser desenvolvido, seleciono sempre uma condição teórica e dou preferência para doenças que são exigidas em exames vestibulares e Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ou aquelas em que há uma prevalência muito grande na população. O infarto, por exemplo, é uma ocorrência comum, que provavelmente já se passou com algum familiar do aluno ou alguém conhecido.
Dessa forma, além de captar mais a atenção dos estudantes, eles aprendem as causas da doença, sua prevenção e ainda conseguem lidar melhor com uma situação de urgência. O infarto, por exemplo, não pode esperar. Neste caso, tempo é vida.
O processo rendeu uma revisão e um aprofundamento dos diferentes tipos de diabetes, a formação do sangue, os tipos de colesterol, a química orgânica envolvida na formação desses componentes e ainda a relação entre arterosclerose e trombose.
Um dos objetivos da matéria é a integração da biologia, da física e da química, algo que me ajudou imensamente quando estudante. Estabelecer relações é importante para os exames e também para a vida porque, na prática, esses elementos funcionam juntos dentro do nosso corpo.
Desafios e resultados
No projeto, o mais desafiador para mim como professor foi adaptar o linguajar técnico e clínico para transmitir o conteúdo ao estudante de ensino médio. Não adianta falar os termos corretos, mas de maneira restrita à realidade deles. É preciso compreender o raciocínio dos alunos para ser assertivo.
O meio que encontrei para resolver a questão, de forma simples e efetiva, foi interpretar o papel do enfermo, que é leigo e, assim, usa termos do cotidiano. O linguajar do paciente é o mesmo dos alunos.
Ao final da atividade também lancei um desafio, agora para os participantes. Eles sabiam que a enferma possuía arterosclerose e o procedimento indicado era a cirurgia, pois o quadro já estava avançado. No entanto, a paciente se recusava a ser operada porque sua vizinha morrera da mesma forma. O dilema ético foi lançado: como seguir com o caso? Operar ou não?
A reação frente à provocação foi a melhor possível. Todos ficaram discutindo o que eles fariam diante de uma situação assim. Nesse momento, eles já tinham perdido totalmente o receio de expressar suas opiniões.
O mais importante foi perceber que os alunos entenderam o papel deles como médicos nessa simulação. Eles compreenderam o lado humano do paciente, a importância da empatia; e que essa iniciativa deve partir do profissional da saúde. Quando assumem o papel de uma equipe que busca a solução de um caso, além de treinarem os conceitos de física, química e biologia, eles treinam como aplicar questões complexas de cunho psicológico: como indagar o paciente, como lidar com a família do doente e ainda como tomar decisões éticas.
Ao longo do processo foi claro o interesse dos estudantes em procurar as soluções, em saberem como os órgãos funcionam, em insistirem em novas perguntar para levar a descoberta de resolução dos casos. Eles perderam o medo de errar e isso é essencial no processo de aprendizagem.
Inclusive, a discussão sobre operar ou não a paciente se postergou até depois do final da aula, mostrando que eles se sensibilizaram e se engajaram bastante com o tema. Além do mais, nosso encontro se deu em um sábado de manhã, reuniu cerca de vinte estudantes para uma disciplina extracurricular que é a única do colégio sem obrigatoriedade de presença ou formas de avaliação.
Sinto-me satisfeito em observar que os objetivos do projeto foram cumpridos. Os estudantes do Ensino Médio frequentam as aulas e aprofundam conceitos, impulsionam seu desempenho em outras disciplinas; são ativos na obtenção do conhecimento – conectado com o seu mundo de séries em formato de investigação.
Eles ainda compreenderam que não basta só o conhecimento teórico, a prática possui outras camadas de complexidade. O atendimento humano e cunhado em princípios éticos é um dever e responsabilidade na medicina e em qualquer carreira que porventura sigam durante suas vidas.
Fonte: Por Vir – Inovações em Educação | http://porvir.org/
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